O Hino Rio-grandense é racista?!

Tem-se debatido que o Hino gaúcho possui um trecho racista: “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”. Trata-se de um revisionismo que, com o máximo respeito, se afasta da verdade histórica e dos valores que representam os hinos e os símbolos de um povo.

Em primeiro lugar, esta frase é claramente positivista. Nas aulas de Sociologia aprendemos que o positivismo foi ideologia muito influente em meados do Século XIX, a ponto de seus principais defensores serem também os principais nomes da Sociologia do período, sendo Auguste Comte chamado de “pai da sociologia”. Os positivistas eram abolicionistas. Para eles, as virtudes libertam os homens, enquanto os seus vícios (a preguiça, a maldade, a desordem, a desonra, etc.) os escravizam. Vejam que a frase não se relaciona com o processo escravagista do período mas, de certa forma, o enfrenta, ao propor que todos devam buscar serem virtuosos para que não sejam escravos de si próprios. Associando o fato de serem abolicionistas com a possível intenção das palavras utilizadas, podemos inclusive inferir (e aqui também é um revisionismo) que os autores do hino estão dizendo que até quem se via livre (do escravagismo do período) pode ser escravo se não for virtuoso.

Não bastasse o evidente ideário positivista nas palavras, parte do hino que referia “entre nós reviva Atenas para assombro dos tiranos, sejamos gregos na glória e na virtude romanos” foi retirada em 1966, segundo presumimos porque o regime ditatorial militar não concordava com a menção à tirania. Com esse trecho retirado vê-se claramente a referência às virtudes que os positivistas defendiam e tinham como referência.

Há outro elemento tão importante quanto este invocado até aqui: os farroupilhas teriam pedido ao famoso (na época) Maestro Negro Joaquim José de Mendanha, que estava preso em 1838 por ser inimigo, lotado no Batalhão de Caçadores Imperial, que criasse a melodia do Hino Nacional Farroupilha.

Portanto, ao revisarmos a História imputando aos Farroupilhas a pecha que se propõe se está desonrando quem defendia justamente o ideal inverso. Não é de se estranhar, pois há algum tempo tenta-se aplacar a ideia de que os Farrapos traíram seus irmãos de combate negros na famosa Batalha dos Porongos. Usam-se documentos apócrifos para dizer que houve uma trama contra os Lanceiros Negros, massacrados (junto com soldados brancos) numa emboscada. Diz-se inclusive que os soldados negros não teriam o ideal farroupilha, mas lutavam apenas porque pretendiam a alforria. Vê-se claramente que são revisões, que podem ou não guardar algumas verdades, mas que certamente tratam de forma generalista (e simplista) e com olhar particular, algo muito mais complexo do que se pretende. Parece evidente que no contexto social do Séc. XIX, durante a Guerra dos Farrapos contra o Império, deveríamos ter toda sorte de ideais motivando individualmente os envolvidos. O que é inequívoco é: os ideais abolicionistas (propostos por correntes iluministas, positivistas, liberais, dentre tantas outras) faziam sim parte do ideal farrapo, tanto que a proposta de liberdade aos negros combatentes (imitada, por exemplo, na Guerra do Paraguai) existiu.