Escola com educação

A primeira vez que fui à Espanha me assustei quando, no que parecia ser uma rodovia que ligava o aeroporto ao centro da cidade, tinham dois meninos jogando bola no gramado central. Do nada, eles pararam de jogar, pegaram a bola e, sem nenhum olhar lateral, iniciaram a travessia da pista, na faixa de pedestre. O fluxo intenso de carros naturalmente reduziu e parou para os meninos. Pra mim aquilo era impactante. Pra eles uma rotina.

Sou daqueles que vê na educação a saída para o Brasil. Aliás, para qualquer lugar. Educação primária e secundária não são prédios, nem laboratórios, nem computadores… embora isso tudo seja muito importante. Educação são professores. Bons professores, vocacionados, motivados, bem remunerados.

Tenho comigo que o primeiro sintoma da falta de educação é não se percebe-la. Einstein disse que uma mente se expande e nunca mais retroage ao tamanho anterior depois do aprendizado. O trabalho do educador não é trazer conhecimento… é abrir espaço na mente de seus alunos para que o conhecimento entre. Se temos tamanhos problemas com a educação de nossa gente é porque nossos professores, alunos e mentores não admitem que esse sistema educacional não educa, e não é porque faltam prédios, laboratórios e computadores, mas porque não abre espaço na mente de ninguém para novas ideias, novos interesses, para o autoconhecimento e para a manifestação das vocações. Nossa educação é formal. Visa diplomar e transformar o aluno em mão-de-obra.

Por que fórmula de bhaskara? Por que história antiga? Por que tempos verbais e química orgânica e trigonometria? Se o aluno não souber responder isso, nada disso serve. Ainda assim todos os dias, em todas as cidades, há professores dedicados ensinando seus alunos sobre isso. E depois, com 30 ou 50 anos, eles ainda não saberão porque estudaram isso. Os professores provavelmente também não sabem ao certo a utilidade do que ensinam.

A escola é muito mais que a disciplina de conteúdo. Ouso dizer que, para nós brasileiros, interessa muito mais o que é a escola além da disciplina. A escola que ensina a resolver os conflitos, que ouve todos os lados, que ouve o aluno. A escola que motiva seus professores, agrega a presença dos pais, insere-se no contexto social da sua localidade, prestando serviços e ensinando seu corpo discente a sentir-se útil. A escola que associa conteúdo e realidade, que mostra porque drogas fazem mal, que mostra porque exercícios fazem bem, que mostra com o exemplo o que devemos fazer. Essa escola depende muito das pessoas… e esse tem sido nosso problema maior.

Nós precisamos aprender sobre as pessoas. Ouvi-las, respeita-las, valoriza-las. Por melhor que seja um sistema, ele dependerá das pessoas. Discutir política é importante?! Talvez, mas se querem discutir, discutamos. Ser de direita ou de esquerda é bom?! Sei lá, mas vamos debater sobre isso. E religião, escola pública precisa de ensino religioso?! Tenho minha opinião, mas qual é a sua?

Pouca coisa é mais ridícula do que acreditar que sistemas são melhores educadores que pessoas.

Há uns anos participei da criação de um projeto que visava levar aos alunos de escolas públicas motivação e algumas destas respostas que perguntei e me pergunto há anos. Foi, modestamente, um sucesso. Na primeira escola que trabalhamos, a direção pediu que apresentássemos o projeto inclusive ao corpo docente. Fizemos isso por cinco anos. Certa vez percebi que um dos professores de uma escola municipal não estava se agradando com o que dizíamos. Sonhos, vocação, riqueza, espiritualização… são assuntos não gratos a determinadas correntes mentais. Resultado: nunca mais conseguimos autorização da Prefeitura que, por sinal, estava na mão de um partido reconhecido por não gostar destes temas.

Bom, este texto não é político. É sobre educação. E eu quis apenas exemplificar o que não é educação.

A mentalidade do professor que transfere aos outros a resolução dos seus problemas é a mentalidade que forma alunos dependentes. Dependentes do dinheiro, do Estado, do patrão, dos homens livres das amarras mentais. Professor preso em grades mentais cria alunos presos a grades mentais. E, por mais conhecimento que se tenha, as grades estão ali. E todo homem preso tem raiva, tem desejo de vingança, tem amargor e necessidade de fugir da sua realidade.

Então… a escola que forma pessoas livres só pode existir lidando com a liberdade. Não a liberdade de disciplina, de autodeterminação. A liberdade de ideias, de ideais. É trabalhoso, mas certamente menos trabalhoso que lidar com adultos frustrados, infelizes e negativos.

 

 

 

 

Novas Intolerâncias

Não foi fácil pra muita gente aceitar os novos ventos da civilização. E estou falando só de Brasil, só da nossa cultura – embora saiba que em muitos países os conservadores têm ainda mais força. O Brasil, ao contrário do que muito se critica, constrói uma sociedade moderna em termos de aceitação às relações homoafetivas, de tolerância ao uso de entorpecentes, de respeito a vieses políticos diversos, direito das mulheres, deficiente e idosos, de efetivação de garantias a grupos raciais, de abrigo a minorias e estrangeiros, dentre muitos outros. Somos uma sociedade multicultural e isso não é fácil de equalizar. Diferentes religiões, etnias, graus de instrução, classes sociais ativas, veias ideológicas. Nossas realizações não são mais efetivas muito mais porque somos maus gestores públicos e investimos recursos financeiros insuficientes.

Mas uma coisa tem me chamado a atenção…

Ao invés de nos modernizarmos em relação ao tema “tolerância”, o que fizemos foi substituir os objetos no nosso acoplador de intolerância. Se antes eramos intolerantes com gays, agora somos intolerantes com conservadores. Se antes eramos com ateus, agora somos com crentes. Antes com mulheres desquitadas, agora com homens com discursos de machão.

Isso mostra que, na verdade, continuamos os mesmos intolerantes de sempre… apenas mudamos de lado, de foco. Não é que nos tornamos tolerantes a novas ideias. Não. Mudamos nosso conceito de novas ideias ou de boas ideias, ou melhor: mudamos nosso conceito de boas pessoas.

Ser tolerante também é saber que pessoas criadas na década de 1950 vão ter mais dificuldades de aceitar relações homoafetivas que as novas gerações, por exemplo. Ser tolerante é saber que as diferenças não incluem apenas o que hoje se brada como bom, mas também o que se acreditou por milênios. Isso é ser tolerante.

Não precisamos ser aceitos por todos. Sejamos fumantes ou não, gordos ou não, ateus ou crentes, veganos ou carnívoros… ninguém precisa ser aceito pelos outros. Precisamos pura e tão somente sermos respeitados em nossas diferenças. Ponto.

Para sermos respeitados em nossas características precisamos reconhecer que existem outras pessoas com as suas características, que frequentarão ambientes onde tal jeito vai ser cultuado. Não posso ir a um restaurante vegano e pedir um cheese-bacon nem entrar pelado numa igreja. Simples assim.

Tem muito paladino da igualdade que entendeu errado o que é igualdade. Homens e mulheres nunca serão iguais. Negros são negros e falar isso não é racismo. Gordos ocupam mais espaço, e daí? Muçulmanos são estranhos sim, para quem viveu a vida inteira vendo o rosto e as coxas das mulheres. Quando visitou uma certa cidade interiorana do nordeste, minha esposa – que é branca e loira – virou centro de observação da comunidade. Imagina se tivesse se sentido agredida por ser observada acintosamente como diferente.

Igualdade é ser tratado de maneira igual, pela lei, pelo Estado, pelas autoridades, por entidades e pessoas que prestam serviços. Igualdade não é ser visto da mesma forma por todos, não é usar o mesmo traje, nem ter acesso aos mesmos recursos. Igualdade é um direito subjetivo, não uma atribuição objetiva. Não é porque o mais competente passou no vestibular que todos terão direito de entrar no mesmo curso; é só pra quem atingir o mesmo critério. Se haverão políticas de compensação – seja do que for – isso não é para promover igualdade. É para ajudar socialmente determinados grupos.

O que não podemos mais admitir é o desrespeito, a violência, o privilégio, a falta de ética e de bom senso. Mesmo a falta de bondade não é algo que podemos combater, simplesmente porque as pessoas têm o direito de não serem boas. Elas não podem é agir de forma maléfica.

Portanto, se você vai lutar por tolerância e igualdade, lembre-se de tolerar os diferentes de você. Sejam eles como forem.