Porque sim.

“Quem passou pela vida em branca nuvem
e em plácido repouso adormeceu.
Quem nunca sentiu o fio da desgraça,
quem passou pela vida e não sofreu
foi espectro de homem, e não homem.
Só passou pela vida, não viveu”, Francisco Otaviano.

O poema triste do advogado carioca traz uma análise realista da vida. Buda ensinou que “a vida é sofrimento”. Os kardecistas aprendem que vivemos num mundo de “provas e expiações”. Para a tradição católica, Cristo viveu para conseguir o perdão dos nossos pecados, do que se deduz que a vida é redenção.

É fácil ler esse conjunto de argumentos e análises e verificar que contêm verdades. Se você já passou dos quarenta, fica fácil concluir isso. Life is tough. Falar que a vida é dura soa um desestímulo a ela… mas não é.

Todas essas referências estão dizendo que somos seres fadados à superação e às conquistas. O ser humano que cria guerras absurdas é o mesmo que cura doenças. Há os que perdem entes queridos em acidentes e transformam a dor em lição para que outros não passem pelo mesmo. Não somos perfeitos e parece que desequilibramos esse mundo equilibrado, mas nossa existência tende a se enquadrar nesse equilíbrio existencial, mesmo sem nossa percepção… pois a percepção é muito menor que a inteligência que mantém esse equilíbrio.

A vida que enfrentamos é maior que nossa profissão, nossos ideais políticos, nossa família. É maior do que o que aprendemos, do que o que praticamos e do que nossos desejos. Mas tudo isso é importante porque define o meio pelo qual enfrentaremos a nossa vida.

Todos sabemos o final da nossa história. Esse final é invariável a cada um dos seres vivos deste planeta. Então fica claro que é o que fazemos e faremos antes disso que nos interessa.

O que nos faz viver a vida e torná-la melhor nem sempre são as mesmas coisas. Por vezes, escolher viver mais pode significar viver pior e os exemplos disso reluzem ao nosso redor. O ser humano precisa dar valor a vida, não apenas prolongá-la.

Quando se pensa minimamente nesse conjunto de coisas percebe-se que, para viver bem, precisamos de valores, impressões mais ou menos claras daquilo que importa mais ou menos, ou não importa. Saúde é um valor universal, todos desejam. Paz, tenho minhas dúvidas. Altruísmo com certeza não pertence aos valores universais. Por quê?

As tradições religiosas falam em superação porque a fé de que os problemas podem ser superados faz parte da construção da solução. Quem não tem esperança em conseguir não costuma tentar. A presença de uma força sobre-humana ajuda a tirarmos forças de onde não podemos tocar… e essa força, nos momentos difíceis, é fundamental.

O papel da imprensa na nossa vida tem uma importância sabida, mas subestimada. Falarmos todos os dias que existe o problema A, B e C sufoca a capacidade de reação da maioria de nós se não for igualmente batido qual é a solução. Se falamos apenas do sofrimento, da dor, tendemos a contaminar os mais frágeis a desistir. A desistência de quem tem um caráter frágil pode se tornar criminosa. A desistência de quem tem valores frágeis pode se tornar agressão. A desistência de quem está imerso a grandes dores emocionais pode ser da vida.

A fé move montanhas, diz a tradição. É simbólico, sabemos. A fé move muito mais… move o mundo e a vida.

 

Advogar há 20 anos

Neste abril faz 20 anos que iniciei meu escritório. Comecei com um amigo, não estamos mais juntos há 10 anos. Senti vontade de falar um pouco dessa caminhada, especialmente aos colegas que recém iniciaram a trajetória e àqueles que querem ser colegas.

Sou o primeiro bacharel das minhas famílias materna e paterna. Isso faz muita diferença. Se tivesse qualquer mentor a me orientar, com certeza saberia em um ano o que levei cinco para saber.

Lá no início não se tem quase nada além da vontade e do idealismo. Quando começamos eu não tinha recursos nem para pagar aluguel. Levava meu almoço de casa, todos os dias, durante anos. Andava de ônibus. Limpava eu mesmo minha sala, além de fazer todas as outras atividades como café, xerox, serviço de fórum e, claro, advogar. 

Em 1996 a internet era discada, não existia celular, recém os computadores ganhavam uso. As coisas não eram como hoje. Para propor um processo trabalhista, por exemplo, visitava-se cada sindicato da categoria do cliente para buscar o dissídio e informações sobre direitos específicos. Você era obrigado a ter alguém no escritório para atender telefones ou receber as pessoas que podiam aparecer por ali. Eu passava metade do tempo no escritório e metade na rua, buscando informações e clientes.

Quem não é profissional liberal talvez não tenha ideia do tamanho da dificuldade em se encontrar clientes no início de carreira. É algo que nos desaba muitas vezes. Eu visitei dezenas de empresas para apresentar meus serviços… e sabem quantas me contrataram?! Nenhuma. Meus primeiros clientes foram quase todos pessoas próximas. Depois vieram as indicações… anos depois, quando o êxito nas primeiras demandas repercutia, veio o reconhecimento. Era estranho, admito, estar numa audiência com pessoas tão preparadas tendo apenas 21 anos de idade e espinhas na cara. Se era estranho pra mim, imagino como se sentiam inseguras as pessoas que pensavam em me contratar no início.

Nestes 20 anos trabalhei com Direito Criminal, Civil, Família, Tributário, Trabalhista, Seguros, Multas de Trânsito, Administrativo e em defesas de profissionais médicos, advogados, contadores, policiais, servidores e outros. Fui Juiz Leigo (Pequenas Causas), Tutor de EAD, Professor, Consultor e Assessor Empresarial Jurídico. Conhecer muitos ramos nos ajuda a formar a nossa identificação com a profissão. Advogo ainda por idealismo, além de ser membro da Comissão de Acesso à Justiça da OAB. Advogar enriquece a alma. O advogado é dos poucos profissionais que conhece a verdade sobre seu cliente. E isso faz toda a diferença sobre como olhamos o mundo.

Gosto muito de Direito de Família, da importância que vejo neste que é o mais emocional dos ramos jurídicos. Tenho me dedicado ao Direito dos Seguros, ramo que estudo e trabalho com regularidade.

Dito isso, vão algumas dicas aos meus colegas iniciantes, que eu gostaria de ter sabido antes:

  • Advogar é difícil. Muito difícil. Muitas vezes você e seu cliente estarão sozinhos contra o mundo.
  • Você vai trabalhar por muitos anos muito mais do que, proporcionalmente, irá receber em termos financeiros.
  • Você vai estudar muito mais do que precisará efetivamente, caso contrário saberá menos do que precisará no tempo necessário.
  • Associe-se a alguém que confie. Não precisam dividir escritório ou trabalho. Dividam experiências e estudos.
  • Tenha um mentor que possa lhe dar orientações.
  • Esteja preparado para fazer tudo que for necessário. 
  • Seu melhor marketing é o êxito. Advogados que falam demais do que fazem ou fizeram costumam exagerar no seu aspecto comercial e se limitar no seu aspecto jurídico.
  • Você perderá muitas vezes, mesmo tendo razão. Aprenda a autocriticar-se para reconhecer onde melhorar.
  • Você ganhará algumas vezes por motivos que não esperava. Aprenda com isso também.
  • Seu cliente não é melhor que seu adversário, mas você não representa seu adversário.
  • Você pode discutir com delegados, juízes e promotores de forma acintosa, mas não com os servidores do cartório.
  • Quando você atender um cliente que não tem razão, nem compostura, cobre mais.
  • Quando você atender um cliente que não pode pagar mas tem razão, agradeça a oportunidade aos céus e faça um bom contrato de participação no êxito.
  • Não espere reconhecimento de todos, mas exija ser reconhecido pelo que você fez por merecer.
  • Somos o primeiro julgador de um fato. Sejamos justos.
  • Você pode enriquecer, mas a advocacia exige muito para isso. Se quiser enriquecer mais rápido, seja empresário do seu negócio jurídico também.
  • Se você achar o ramo onde se sente realizado como pessoa e profissional, você atingiu a maturidade profissional.
  • Você pode mudar o mundo se estiver pronto para mudar-se na mesma régua.

Desejo que você tenha mais sucesso e realização que encontrei, para que as coisas sejam cada vez melhores do que são.

 

O Presidencialismo

No plebiscito de 1993, votei pelo presidencialismo. E me arrependi depois. O presidencialismo é um sistema de governo que não funcionou bem em quase lugar algum. Os países que ainda o usam são países que tem agenda política ultrapassada. Mesmo os americanos tem um presidencialismo menos presidencialista que o nosso. Lá o eleitor vota num representante que irá votar para presidente, é uma votação indireta. Além disso, o Congresso exerce um imenso controle sobre praticamente tudo que é presidencial… um presidencialismo muito mais parlamentarista que o nosso.

A decisão de ontem pelo processamento do impeachment da Presidente Dilma, por 367 votos, é uma flexão do nosso presidencialismo. É necessário. Nosso sistema de governo é ultrapassado, excessivamente formalista, excessivamente centralizador. O impeachment se fundamentou justamente no excesso de concentração de poder da Presidente, que se permitiu driblar as regras de administração financeira… tudo sem autorização ou conhecimento do parlamento.

Não sou parlamentarista, gosto do presidencialismo. Mas não gosto desse presidencialismo em que o governante fica quatro anos no poder mesmo que não cumpra nada do que prometeu, mesmo que o país quebre, mesmo que tudo e todos ao seu redor cheirem a podridão. Esse presidencialismo é uma espécie de amor à regra, o vínculo à forma. Algo como: se você foi eleito para ficar aí quatro anos, fique, mesmo que tudo se arrebente ao redor. Não é assim… Não pode ser.

Ontem quando vi nossos congressistas votando, ao contrário da imensa maioria das pessoas com quem conversei, achei que o povo estava bem representado. No sentido de que aqueles congressistas são um bom extrato social, representam medianamente as pessoas que votaram neles. Não estou dizendo que estamos bem representados no sentido de que são bons… não é isso. Estou dizendo que estamos bem representados em termos de amostragem: as pessoas de nosso país são, mais ou menos, como nossos parlamentares.

Sou a favor de um presidencialismo em que o plano de governo exposto na campanha seja um pré-contrato. Não cumprido, perde-se o direito de presidir. Não há mais como aceitar um sistema em que governante pode ficar anos errando e quebrando tudo ao redor. Imagine um síndico que põe em risco a própria estrutura do prédio ou um gerente de banco que sai emprestando dinheiro para todo mundo de quem gosta. Há coisas absurdas que toleramos em nome do sistema presidencialista.

Sou a favor de um presidencialismo sem vice-presidente. Em caso de impedimento, sempre haverá novas eleições e o Presidente do Congresso assume até lá.

Sou a favor de reeleição. Por que não manter um gestor que está bem?!

Sou a favor de um presidencialismo onde qualquer pessoa possa concorrer a cargos eletivos, mesmo sem partido. E as que optam por legendas partidárias devem se submeter aos ditames ideológicos partidários… afinal é assim que o eleitor as identifica.

Então as coisas são assim, cada um de nós pensa o sistema que quiser. E enquanto o mundo não se torna o que queremos, nós jogamos o jogo possível e fazemos a nossa parte. Sem esquecer que o sistema presidencialista é o mais paternalista de todos. E quem é que não gosta de paternalismo por aqui!?

 

 

 

Dever Pensão (Alimentos) no NCPC

Está claro diante de tamanha repercussão na mídia que dever pensão alimentícia tem um tratamento ainda mais severo diante do Novo Código de Processo Civil, vigente desde 18 de março último. Além das medidas coercitivas já conhecidas (penhora e prisão), o credor agora conta com a disposição legal clara de que pode protestar o devedor, colocando seu nome em cadastros como SPC/SERASA.

Uma mudança legislativa importante sobre a penhora é que ela pode recair sobre até 50% dos vencimentos do devedor.

Uma mudança legislativa importante sobre a prisão civil é que ela será necessariamente em regime fechado.

Nem tudo é aumento no rigor, entretanto. Está expressamente determinado no art. 528, §8º, do NCPC que não pode ser pedida a prisão pela dívida alimentar que tiver como referência uma decisão que está pendente de recurso. Dito de outra forma: se há sentença determinando o aumento do valor da pensão e o pagador apela, não pode ser preso porque não consegue pagar a diferença a maior do valor determinado na sentença. Essa é uma inovação legislativa que não existia anteriormente e era raramente detectada na jurisprudência.

Quando se está com dificuldades em cumprir a prestação dos alimentos é imperioso considerar que o Judiciário costuma demorar para decidir e, por isso, quanto antes se propõe o pedido melhor, seja de decretar um valor, seja de revisar um valor.

Hoje, por questões que não são totalmente elucidadas, mesmo com a facilitação que a informática trouxe às rotinas judiciais, uma ação revisional costuma demorar mais de dois anos na Comarca de Porto Alegre e sua Apelação mais um ano no TJRS. É óbvio que as razões de postulação da Revisional, três anos depois, são diferentes. Isso exige que a parte fique constantemente informando suas alterações fáticas ao Judiciário, o que tarda ainda mais o deslinde da demanda. Além disso, a demora na prestação jurisdicional tem como efeito danoso adicional o fato de que, enquanto não alterado o valor dos alimentos, o devedor precisa continuar pagando o que foi fixado. Muitas vezes essa fixação se baseia em critérios de política jurisdicional incompreensíveis, arrazoados como “presunção de necessidades” ou “suposição de despesas ordinárias”, o que não só é avesso ao contraditório e à ampla defesa como é manifestação de prejulgamentos sexistas e/ou parciais. Mesmo que ganhe o recurso, os alimentos pagos a maior não poderão ser reembolsados e os valores que não conseguiu pagar continuam devidos. É um absurdo, mas é assim que nossa ideologia jurisdicional delineou o direito alimentar.

Nas ações que tratam de Direito de Família, especialmente relativas a alimentos e guarda, é imperioso que se adote o princípio ora exteriorizado pelo art. 4º do NCPC: “as partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. Do contrário, a justiça tardará e falhará.

 

A arte de errar

Muitos de nós se esforçam arduamente para não errar. Seja por orgulho, por comprometimento, por autruísmo, o esforço de acertar costuma preencher nosso tempo. Ainda assim, com nosso máximo preparo, com nosso total empenho, com todo nosso interesse, nem que seja eventualmente erraremos.

Errar é humano, diz o dito popular. Errar nos faz humanos, é verdade. Os sistemas não erram. Seus operadores ou criadores sim. E os sistemas que estão em erro continuam em erro, não se corrigem automomamente (eis o sonho da inteligência artificial). Consertar erros é uma tarefa da razão, mas não depende só dela.

Se você olhar bem pra uma pessoa, não vai demorar em encontrar seus pontos falhos. A arrogância, o despreparo, a falta de iniciativa, o destempero. Sempre haverá algo a se criticar. São nossos interesses e nossos sentimentos que nos incentivam a tolerar ou nos compelem a condenar, a revidar ou nos afastar dos (defeitos) outros.

Cada um tem sua régua sobre isso. Alguns exigem a perfeição dos outros, não toleram falhas. Eu as procuro porque gosto de ver como as pessoas lidam com elas. É o modo como a pessoa lida com seus defeitos que me faz respeitá-la. Ou me afastar.

Virtudes e defeitos são erros de dosagem. Ser autoconfiante é bom, mas se você exagerar vai querer enfrentar adversários que provavelmente não possa bater. Ser medroso é ruim, mas se você não arrisca nunca, nunca se machucará. Ser inteligente ou ser muito bonito são das mais perigosas virtudes. Parecem bastarem-se. Costumam podar o desenvolvimento de outras virtudes. Até a humildade e a caridade, virtudes que admiro muito, são nocivas quando mal dosadas.

Sobre a vaidade intelectual, Goethe ensinou que não se envergonhava de contradizer-se porque não se envergonhava de raciocinar. Não deixava de ser, ao mesmo tempo, uma confissão de arrogância intelectual e uma demonstração de humildade. A razão é assim, não se basta por si.  Se você não estivesse em frente ao filósofo alemão ou não contextualizasse a premissa, não saberia se foi uma coisa ou outra. A razão precisa de suporte afetivo e contexto para fazer-se devidamente compreendida.

A emoção não… é autoexplicativa. A raiva, a paixão, o temor. Pronto, se bastam, já entendemos.

Por isso, quando erramos por vacilos racionais e queremos nos justificar, contextualizamos. Quando erramos por motivos afetivos, depende… precisamos saber qual a afinidade do interlocutor ao nosso patrimônio emocional. Se for distante ou desinteressado, racionalizamos.  Se for mais chegado, falamos dos nossos sentimentos.

Errar ensina o que acertar jamais fará. Acertar é o objetivo, mas para atingi-lo precisamos aprender primeiro a errar e corrigir nossos erros. E isso pode ser complicadíssimo. Costuma ser uma lição decorrente do exemplo. Está acima do racional e do emocional, num canto interior que usa elementos de intuição e de sensibilidade. Acertar decorre mais da maturidade que da inteligência. Como na oração de São Francisco, onde pede força para mudar o que pode ser mudado, resignação para aceitar o que não pode e sabedoria para distingui-los.

É possível perceber quem resolverá os problemas, do trabalho, da família, do país. Os que os enfrentam são os que os admitem. Não ficam apontando pros outros, nem fingindo estar tudo bem quando não está. A arte de errar é um reflexo, um eco. Errar é humano, persisitir no erro é humano. Conserta-lo é divino.