Carnis levale

Nos primeiros dez ou doze anos de formado tudo que conheci como férias era a semana do Carnaval. Naquela época não existia o período de férias advocatícias que hoje existe (um trabalho que ajudei a realizar quando era da Comissão de Acesso à Justiça da OABRS… mas isso é outra história).

Há quem vincule historicamente o Carnaval às festas pagãs muito anteriores ao cristianismo. Há referências a festas babilônicas, germânicas, romanas. É muito provável que exista sim alguma influência, mas o Carnaval em si é o período de proibição de comer carne que corresponde à Quaresma. É um período que deveria representar provações de fé, homenagens e principalmente reflexão, portanto, um período claramente vinculado ao cristianismo.

Todos sabemos o que é o Carnaval hoje. Deixar de comer carne?! Nunca vi. Quando muito na Sexta-feira Santa, que marca o aprisionamento de Jesus pelos romanos a mando do Sinédrio.

Ainda que seja o maior símbolo cultural do Brasil fora do país, o Carnaval é muito diferente nos diferentes cantos desse Brasilzão. Na minha lembrança trago carinhosamente as marchinhas que hoje são politicamente incorretas e as festas de salão com bloquinhos e fantasias. Alienado que sou, menos me toca o apelo sexualizado que se dá ao evento… sei lá. Parece desvirtuar-se demais o que se pretendia, assim como se faz hoje até com as Festas de Natal.

Divirta-se! Com cuidado, sempre. Mas também usa o Carnaval para refletir sobre os prazeres que passam e as consequências que ficam.

Animais Cristãos

Uma reflexão sobre os efeitos do cristianismo na humanidade

Temos humanidade na Terra há mais de dois milhões de anos. Estimamos que vários tipos de hominídeos passaram por aqui e vários deles viveram concomitantemente. Nós, homo sapiens, existimos há cerca de trezentos mil anos.

Somos animais, primatas. Os animais vivem em harmonia e ordem, o que não significa que dispensem violência e imposição. Se entre os carnívoros a imposição é clara, ela não é menos evidente nos animais de porte, como rinocerontes, hipopótamos, elefantes, ou em toros, cachorros, gatos e quaisquer outros animais com relação aos que lhe são menores, ou melhor, mais fracos.

Nós animais fomos assim. Sou dos que creem que provavelmente os hominídeos mais hábeis dominaram os menos, talvez os escravizassem, provavelmente os extinguiram, seja por concorrência por alimento ou território, seja por imposição. Somos animais e carregamos muita animalidade, no sentido negativo da palavra e no sentido positivo também.

Há dois mil anos a humanidade iniciou um processo de upgrade da sua humanização com a cristianização. Não que outros líderes e outras referências não tenham participado de forma importante e definitiva antes disso,… claro que sim. É que, veja: Jesus viveu num território judaico dominado por romanos no meio do mundo conhecido. Apresentou uma nova forma de ver a vida, sem a pretensão expressa de criar uma nova religião ou filosofia. Jesus não foi teórico ou ideólogo. Ele foi prático. Ele mostrou o que fazer.

Sua prática partia do amor e tratava com igualdade bons e maus, mas propunha a todos que buscassem ser bons. Não eram propostos grandes debates racionais sobre isso. Era posto em prática. Jesus foi uma manifestação do amor.

O povo por ele influenciado se dissipou. A sua moral e a sua prática tomaram os dominadores da Europa e acabaram por domina-los. O cristianismo ficou mil anos, durante toda a Idade Média, numa incubadora, mas especialmente na primeira metade (que chamamos Alta Idade Média) ficou bastante isolado. Quando começou novamente e interligar-se com o mundo, logo acabou o medievo e chegaram o Renascimento, as Grande Navegações e, pimba: o Iluminismo.

O Iluminismo é o cristianismo teórico, ideológico. Liberdade, igualdade e fraternidade são valores notadamente cristãos, dessa vez alheios à religiosidade, postos em debates políticos e em planos de governança, adaptados à legislação e exigidos como estruturações sociais.

Esses valores – liberdade e igualdade – mudaram o mundo. Onde o Iluminismo chegou é onde vemos, nos nossos dias, sociedades que buscam respeitar as mulheres, que professam valores democráticos e que debatem sobre o tal “bem estar social”. O mundo antes disso tinha uma relação mais direta entre mérito e conquista, entre plantar e colher, causa e efeito. Agora, essa relação vem sendo relativizada porque afinal nem todos entendem claramente e da mesma forma o que foi proposto. Esse debate divergente também é resultado da cristianização.

Olhe bem: o mundo é diferente onde tocaram tais valores. Você não vai achar debates sobre igualdade tão amplos e impositivos fora do mundo onde os europeus cristianizados se impuseram e nem todos, é verdade, gostam desse debate.

Termino essa reflexão inicial com uma constatação que me serviu de mote: foram esses valores que, depois de milhares de anos, acabaram com o escravismo pela primeira vez na História. Vejam: faz apenas duzentos anos que a humanidade passou a condenar a imposição escravizadora de uns sobre os outros. A escravidão existe desde que as sociedades sedimentares existem e em praticamente todos os cantos do planeta. Foram esses tais cristãos que concluíram inicialmente e, depois, impuseram sobre mundo a ideia de que escravizar era inadmissível. pois todos nascemos livres e iguais e temos o dever de fraternidade entre si.

O cristianismo mudou o mundo. Sobre isso há muito mais a ser dito. Sigamos.

@asluvizetto

A filosofia iluminista e a mudança proposta: a não dominação

♬ som original – Alexander Luvizetto

Leituras que eu li 2

Levou muito tempo, mas estou voltando a sugerir alguns livros. São dicas de leitura para quem gosta. Sem maiores delongas, vamos lá…

Ivair Gontijo narra em “A Caminho de Marte” a sua história de vida, desde pequeno no interior de MInas Gerais , passando pela escola pública e pelo trabalho como capataz de uma fazenda, até chegar ao JPL (Laboratório de Propulsão a Jato, em inglês) na NASA. Além da sua trajetória pessoal, explica o início e os avanços da corrida espacial e descreve o trabalho de enviar o Curiosity ao Planeta Vermelho.

É um livro rico para quem busca evidências de que os sonhos são realizáveis e o esforço pessoal te leva a realizá-los. Ao mesmo tempo, o autor sacia a curiosidade dos interessados em ciência e astronáutica sobre o cotidiano dos profissionais que atuam na área.

Em “O Homem que Amava os Cachorros”, o cubano Leonardo Padura narra duas histórias: a do líder político marxista russo Trotski até encontrar o seu algoz Ramón Mercader, no México, e do personagem Iván, que teria conhecido personagens desta história e a narra com bastante detalhes.

É um livro que ajuda a conhecer os pormenores da luta político-ideológica do início do Século XX, especialmente na Rússia e Espanha, e a repercussão em Cuba, décadas mais tarde. Vale para desconstruir ilusões e melhorar a análise histórica destes fatos.

“A Grande Espera” é um livro psicografado por Coralina Novelino e narra a história do povo Essênio, uma seita hebraica que preexistiu ao cristianismo, constituída de fiéis que esperavam a chegada de Jesus e participaram da sua formação. Os essênios, hoje se sabe, habitaram diversos lugares do Oriente Médio e se tornaram popularmente mais conhecidos depois da descoberta dos Manuscrito do Mar Morto, que tratam dos mesmos temas apontados no livro. Vale pelo conhecimento histórico e religioso.

Se você já leu algum desses, por favor, me diga como foi a tua experiência! Até a próxima!

Deuses úteis

Carl Gustav Jung ensinou que todos temos crença divina, ainda que sejamos ateus. Nossos deuses são aquilo que idealizamos ao mais, aqueles valores que reverenciamos, aquelas entidades ou aqueles seres que buscamos imitar e contemplamos. Nossos deuses podem ser entidades, espíritos, uma montanha, o sol, o Freddie Mercury, a Madre Tereza.

Quando as religiões entregam um conceito divino, estamos diante de uma racionalização, de um instrumento didático de conscientização desta reverência. Se a religião A diz que a divindade é punitiva, aqueles que valorizam o castigo se identificam. Se a religião B diz que a divindade é amor idem. E por aí vai…

Diante desta visão, a ideia “deus” possui uma utilidade, como já disse Luis Felipe Pondé, que é dar ao ser humano uma média de valores e referências e, com isso, estabelecer limites. O ser humano médio que não reverencia nada corre o risco de tornar-se altamente destrutivo, porque tudo lhe é aceitável e as consequências de seus atos dependerão de um contexto meramente ambiental.

Há ateus com uma carga de valores mais forte que outros crentes. No conceito junguiano, acreditam em um deuses que representam tais referências, eventualmente personagens históricos, antepassados seus ou mesmo ideais.

Talvez aqui resida um indicativo do fanatismo que algumas ideologias despertam em seus seguidores. Tratam seus dogmas e ideais com verdadeira fé, com vínculos afetivos que se vestem de razões e de conceitos, ainda que a efetividade destes conceitos seja facilmente percebida como diferente do que propõe. Um exemplo é a ideia de que a criminalidade resulta de problemas na distribuição de renda. Se isso fosse verdade, nas últimas duas décadas o Brasil deveria ter diminuído seus índices criminológicos, mas ocorreu o contrário.

Este que escreve acredita na divindade. Revelo isso por transparência e respeito ao leitor que, imagino, compara o que lê ante seus valores, como eu o faria. A divindade é pra mim consciente e existe alheia ao meu desejo, ainda que se manifeste em todos, inclusive em mim. O Deus que trago em meu coração é a potência máxima que alcanço em termos de retidão, de inteligência, de bondade, de justiça e, principalmente, de amor.

Fico feliz de conscientemente perceber que os valores que tenho por referência sejam de tal monta nobres. Sou assim também?! Claro que não. Claro que reconheço meus limites humanos e minha distância deste ideal. Então a crença no divino empresta uma segunda utilidade, que é a de, ainda que reconheça sejam humanamente aceitáveis nossos defeitos, devem ser aprimorados para um padrão superior, quiçá ˜divino”.

Ainda que nossas idealizações sobre a família, sobre o trabalho, sobre o amor, sobre a vida, não se concretizem nos exatos patamares que imaginamos, são elas que guiam nossas atitudes. Cuida, por isso, quem escolhes como tuas referências, como teus deuses, e respeita os que endeusam entidades que, ao menos no plano intencional, tornariam nosso mundo melhor.

Dezembro

No calendário primeiro romano havia apenas dez meses, cada um com cerca de trinta dias. Ao total, o ano tinha 303 dias. Os meses de inverno (janeiro e fevereiro) não eram contados por serem desinteressantes para qualquer planejamento temporal.

O último mês do ano era dezembro e nele ocorre o solstício (quando o sol atinge o ponto mais ao sul de sua trajetória), próximo ao dia 22, quando inicia o verão no hemisfério sul e o inverno no norte, o que era tremendamente festejado. Essa data, assim como o solstício de junho, eram as mais importantes do ano.

A simbologia do mês dez num calendário decimal a coincidir com o solstício resultou em que “casualmente” foi escolhido esse mês para a celebração das festas natalinas cristãs, quando da absorção do cristianismo por todo o Império Romano (porque, historicamente, Jesus teria nascido próximo do dia 06 de janeiro, no inverno nortenho).

Dezembro é um mês que incorpora além da festa maior do cristianismo e do mundo ocidental, também a mudança de ano, sendo o último mês anual.

E daí?!

E daí que simbolicamente ambas celebrações representam a mudança. A constante mudança. Janeiro será um novo ano, um novo começo. Dezembro é tempo de reflexão sobre o que foi feito e o que deixou-se de fazer. Tempo de gratidão, de reunião, de comemoração. Assim como a vida, ao final, tende a forçar estas posturas, o final de cada ano igualmente o faz.

Dezembro é a desaceleração. A introspecção. Que venha um ótimo dezembro dentro de nós.

Cristo(s)

José Saramago, ateu, escreveu “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, livro que lhe alçou ao Nobel de literatura. Nessa obra, um ateu apresenta a sua visão sobre Cristo, onde o Filho do Homem é tratado como um personagem histórico e humano, sem os adjetivos que costumeiramente lhe são atribuídos. Saramago é português e precisava ter extremo cuidado para dar a sua narrativa uma visão que pretendia “humanizar” Jesus sem desrespeitar a fé do seu povo. Conseguiu. A obra é espetacular.

Jesus não é o mesmo personagem divino para Judeus e Muçulmanos. Nestas outras religiões monoteístas, Jesus é um profeta, não o Deus vivo. Essa diferença, provavelmente, é o que faz com que cada uma das crenças se mantenha distinta.

Há um Jesus menos estudado pela maioria das pessoas, um Jesus mais místico, que teria sido casado com Maria de Magdala (Madalena) e com ela teria tido uma filha. Esse Jesus ainda é tratado como um messias e um iluminado, mas menos divino do que a visão católica. Podemos ver essa abordagem no filme (e livro) “O Código Da Vinci”, que é um romance baseado em obras místicas muito antigas e, hoje, retomadas ao debate graças aos Manuscritos do Mar Morto.

Há outro Jesus (e creio que surpreenderei alguns) que é a reencarnação de Buda e Krishna. Ele é tratado na obra “O Redentor”, de Chico Xavier.

Jesus é muito mais do que a Igreja Católica Apostólica Romana pretende e essas abordagens referidas demonstram isso. Mas nenhuma dessas abordagens o desrespeita.

Acho o ateísmo uma soberba, uma imaturidade. Contudo, jamais acharei o ateu uma pessoa menor do que o crente. Todos nós temos aspectos do nosso ser mais ou menos preparados, melhor ou pior desenvolvidos. Digo isso para, primeiro, afirmar que entendo porque alguns não creem em Deus e, segundo, porque acho que isso é aceitável (embora não seja bom). Isso não me dá o direito de debochar, nem ironizar, especialmente de forma pública quem assim pensa.

Numa época em que se brada tanto por aceitação, a melhor forma de aceitarmos o novo é reconhecermos que nem tudo é tão novo, nem tudo é tão velho. As visões de mundo e as reflexões sobre o mundo estão aí há milênios. A cultura humana não chegou até aqui por acaso. O que há de nos diferenciar não são nossas bandeiras, que nos apartam apenas por aspectos externos, mas sim nossas atitudes.

Há muitas visões de Cristo na história e, entre determinados grupos, cada uma delas é debatida e elaborada. Todas são visões de aprofundamento e, de algum maneira, veneração. Os católicos se autodenominam os detentores da verdade sobre Jesus e, para impor sua versão, já fizeram de tudo, desde as Cruzadas à Inquisição. Não o são. Mas isso não faz deles rivais dos demais. Faz deles apenas diferentes. Respeito seu ponto de vista, mas não as suas atitudes de impô-lo no passado.

O que não se compreende é a necessidade dos que não acreditam em Jesus ficarem repetitivamente buscando ofendê-lo e/ou ofender a crença dos que acreditam. É essa a “tolerância” dos nossos dias?! É isso o melhor que se consegue oferecer de oposição ao conservadorismo!?

Jesus é o maior personagem da história humana. Toda menção a ele deve ser feita considerando isso.

 

Os Irmãos Karamazov

Também não sei porque demorei tanto para ler Dostoiévski. Na verdade, comecei “Crime e Castigo” na faculdade, mas não terminei, não lembro porquê. Contudo, em “Os Irmãos Karamozov” a história me predeu desde o início. Não que a trama seja desde cedo envolvente, mas não é difícil presumir que, tendo três irmãos personalidades tão distintas, algo de  muito interessante haverá de acontecer… e acontece.

Como em “Dom Quixote de La Mancha”, neste livro percebe-se a profundidade das reflexões que o levam a tornar-se um clássico da literatura, atemporal e perpetuamente influenciador.

O autor russo escreveu essa obra no final do século XIX, numa Rússia que lutava contra a monarquia e estava em ebulição com grande influência do Marxismo. Na história, um pai devasso e imoral tem três filhos: o mais velho, militar e imponente; o do meio um intelectual, ateu e influenciado pelo marxismo; e o mais novo um seminarista religioso. Cada um vive diferente do outro, com seus desejos e afinidades.

A trama desenvolve o destino dessas diferentes personalidades, o que cada jeito de viver e de construir suas relações produz existencialmente. Freud comparou a obra a Hamlet e a Édipo Rei, provavelmente devido à reflexão profunda das relações entre pai e filho que o livro faz.

Impressiona como Dostoiévski fala de uma Rússia de 130 anos atrás, mas poderia estar se referindo a cada núcleo familiar da sociedade brasileira nos dias de hoje, onde há grupos que atacam os intelectuais de esquerda por serem excessivamente teóricos e materialistas, em oposição aos direitistas e aos religiosos. Quem se identifica com as reflexões sobre a influência ideológica, a necessidade de mantermos uma postura construtiva e que valoriza as virtudes que se deve buscar não pode deixar de lê-lo.

E, por favor, depois me diga o que achou.

 

A divindade mínima: o deus simbólico

Sou cristão e, portanto, acredito em Deus. Inicio com esta afirmação por respeito intelectual aos que pensam (ou sentem) diferente e quiserem desistir da leitura.

O Deus que acredito é e não é igual ao Deus de outros crentes, mesmo de outros cristãos. O que acredito é magnitude soberana de todas as virtudes que conhecemos e não conhecemos. É energia criadora, renovadora e mantenedora do universo. É força que compele a tudo e todos à evolução. E regra a vida até mesmo por imposição física, como a gravidade ou o carma.

Entendo que a divindade não precisa ser reconhecida para se manifestar. Portanto, podem existir pessoas que não acreditam em Deus e vivem uma vida mais próxima d’Ele que outra que se dizem crentes. Na mais das vezes a sintonia com Ele não passa pela razão.

Contudo cada vez mais fica claro que a simbologia divina é necessária ao ser humano. A ideia de que a vida tem sentido, de que há valores inatos e comportamentos mínimos desejáveis se mostra cada vez mais necessária.

A prisão mental de determinadas doutrinas religiosas – ditas igrejas – é menos nociva à humanidade que a liberdade comportamental irresponsável. O homem, como ser em evidente evolução, depende na sua infância existencial de parâmetros mínimos de orientação que, ignorados, podem compeli-lo à animalidade. Nem sempre por maldade, mas por ignorância. Nem sempre por intenção, mas por circunstância.

Nossa época em nosso país tem muito desse enfrentamento intelectual. Aliás, é um “enfrentamento intelectual” para os menos crentes, porque os crentes se identificam afetivamente com a divindade. Mas voltando ao tema, o enfrentamento que se trava a nível racionalista em nossos dias força, racionalmente, que se conceba a necessidade de transferir às pessoas um sentido existencial que contemple valores mínimos e mantenha o ser humano num prumo. Se não, a vida vira um mero estalo temporal, um acidente cósmico. E, se sentindo assim, qual o filho rejeitado por seus genitores, nos tornamos vazios, despreocupados, desmotivados, desinteressados. E isso nos materializa, ao invés de nos humanizar.

Deus é muita coisa, mas no mínimo é fonte de esperança, de força, de união. É elemento de integração humana, de reflexão e elaboração.

Se a humanidade escolher retirar a figura da divindade da vida, o que irá substituí-la? O dinheiro? O Estado? O rock’n Roll? A ciência?

Deus é muito maior do que isso. Sua importância, aos crentes, é muito superior a qualquer dessas racionalizações. Mas tentando não falar da divindade e sim daquilo que representa, não existe outro meio de transferir ao ser humano o conjunto de valores, sentimentos e força da divindade senão através dela mesma. Essa simbologia é intransponível aos nossos conhecimentos.

Deus é muito mais do que podemos Lhe supor. E sua simbologia mais necessária do que nossa razão.

Feliz Natal pra ti

O tempo me ensinou que nem todos sentem a alegria que sinto no Natal. Não pelos presentes, nem pela questão religiosa, tampouco pelas críticas ao excesso de consumismo e afastamento dos motivos que levaram à existência dessa celebração. Algumas pessoas não gostam da simbologia que o Natal carrega, de união, de perdão, de reflexão. Provavelmente transferem para outro momento ou evento estes valores ou, quem sabe, nem se identificam com eles.Eu aprendi a respeitar isso. Sinceramente.

Para todas as demais que aproveitam a data para reflexionar e celebrar, o Natal inunda o coração de carinho, alegria, saudade, sonhos.

É bom termos momentos que nos forçam a introspecção e, ao mesmo tempo, se transformam em festa de aconchego e aproximação.

Não tenho comigo a presença de todos que gostaria. Sinto pencas de saudades de muita gente que se foi e de outros que não querem ou não podem estar ao meu lado.

O ano se passou com tantas mudanças, tantos duros enfrentamentos. 

Só a elevação das intenções e dos propósitos existenciais pode trazer conforto. Se não, de que vale tudo isso? De que vale tanto sacrifício se não carregarmos a crença – ou ao menos a esperança – de que dias melhores virão?

O Natal me é isso. Esse reacendimento que acaba por fortalecer um pouco mais o coração para as novas lutas que virão.

E é o exemplo do aniversariante que me anima. Suas lições, seu carinho, seu encantamento, sua capacidade de tornar líderes de um movimento que revolucionou a humanidade pessoas que antes eram simples e despropositadas.

O Natal me lembra do compromisso que tenho com os outros e comigo. Da gratidão que sinto pelos que estão ao meu redor e pelos que estiveram. Me remete aos meus lúdicos propósitos, para que eu não me perca nesse mundão cheio de desvios que nos levam pra longe de nós e dos nossos.

Desejo a ti um Feliz Natal do jeito que ele te for melhor!

E agradeço ao aniversariante por essa festa em que todos celebramos e nos reunimos.

Novas Intolerâncias

Não foi fácil pra muita gente aceitar os novos ventos da civilização. E estou falando só de Brasil, só da nossa cultura – embora saiba que em muitos países os conservadores têm ainda mais força. O Brasil, ao contrário do que muito se critica, constrói uma sociedade moderna em termos de aceitação às relações homoafetivas, de tolerância ao uso de entorpecentes, de respeito a vieses políticos diversos, direito das mulheres, deficiente e idosos, de efetivação de garantias a grupos raciais, de abrigo a minorias e estrangeiros, dentre muitos outros. Somos uma sociedade multicultural e isso não é fácil de equalizar. Diferentes religiões, etnias, graus de instrução, classes sociais ativas, veias ideológicas. Nossas realizações não são mais efetivas muito mais porque somos maus gestores públicos e investimos recursos financeiros insuficientes.

Mas uma coisa tem me chamado a atenção…

Ao invés de nos modernizarmos em relação ao tema “tolerância”, o que fizemos foi substituir os objetos no nosso acoplador de intolerância. Se antes eramos intolerantes com gays, agora somos intolerantes com conservadores. Se antes eramos com ateus, agora somos com crentes. Antes com mulheres desquitadas, agora com homens com discursos de machão.

Isso mostra que, na verdade, continuamos os mesmos intolerantes de sempre… apenas mudamos de lado, de foco. Não é que nos tornamos tolerantes a novas ideias. Não. Mudamos nosso conceito de novas ideias ou de boas ideias, ou melhor: mudamos nosso conceito de boas pessoas.

Ser tolerante também é saber que pessoas criadas na década de 1950 vão ter mais dificuldades de aceitar relações homoafetivas que as novas gerações, por exemplo. Ser tolerante é saber que as diferenças não incluem apenas o que hoje se brada como bom, mas também o que se acreditou por milênios. Isso é ser tolerante.

Não precisamos ser aceitos por todos. Sejamos fumantes ou não, gordos ou não, ateus ou crentes, veganos ou carnívoros… ninguém precisa ser aceito pelos outros. Precisamos pura e tão somente sermos respeitados em nossas diferenças. Ponto.

Para sermos respeitados em nossas características precisamos reconhecer que existem outras pessoas com as suas características, que frequentarão ambientes onde tal jeito vai ser cultuado. Não posso ir a um restaurante vegano e pedir um cheese-bacon nem entrar pelado numa igreja. Simples assim.

Tem muito paladino da igualdade que entendeu errado o que é igualdade. Homens e mulheres nunca serão iguais. Negros são negros e falar isso não é racismo. Gordos ocupam mais espaço, e daí? Muçulmanos são estranhos sim, para quem viveu a vida inteira vendo o rosto e as coxas das mulheres. Quando visitou uma certa cidade interiorana do nordeste, minha esposa – que é branca e loira – virou centro de observação da comunidade. Imagina se tivesse se sentido agredida por ser observada acintosamente como diferente.

Igualdade é ser tratado de maneira igual, pela lei, pelo Estado, pelas autoridades, por entidades e pessoas que prestam serviços. Igualdade não é ser visto da mesma forma por todos, não é usar o mesmo traje, nem ter acesso aos mesmos recursos. Igualdade é um direito subjetivo, não uma atribuição objetiva. Não é porque o mais competente passou no vestibular que todos terão direito de entrar no mesmo curso; é só pra quem atingir o mesmo critério. Se haverão políticas de compensação – seja do que for – isso não é para promover igualdade. É para ajudar socialmente determinados grupos.

O que não podemos mais admitir é o desrespeito, a violência, o privilégio, a falta de ética e de bom senso. Mesmo a falta de bondade não é algo que podemos combater, simplesmente porque as pessoas têm o direito de não serem boas. Elas não podem é agir de forma maléfica.

Portanto, se você vai lutar por tolerância e igualdade, lembre-se de tolerar os diferentes de você. Sejam eles como forem.