Por que existe a lei?

A primeira lei escrita conhecida é o Código do imperador babilônico Hamurabi, datando de aproximadamente 1700 a.C. Este conjunto de regras ficou conhecido como Lei do Talião, porque foi literalmente talhado numa grande para que todos soubessem o que era permitido e o que não era – isso numa época em que pouquíssimos sabiam ler.

Ao longo do tempo as sociedades foram aprimorando-se e aprimorando o uso das normas jurídicas. A principal função da lei passou a ser, especialmente nas sociedades ocidentais dos últimos 300 anos, regular a relação do Estado com os cidadãos, estabelecendo limites ao poder estatal que sempre foi absoluto. Vejam: o aprimoramento social e civilizatório é uma busca de valorização do indivíduo, conferindo-lhe cada vez mais autonomia e, quando essa liberdade é má utilizada, responsabilizando-o.

Sempre existiram os mais autoritários que entendem que cabe ao Estado tudo controlar e regular. Creio seja um resquício inconsciente daquilo que a sociedade historicamente sempre foi, controlada por uma autoridade tida como melhor que o povo (divina para uns) e por isso legítima para tudo dizer e determinar.

Pois os últimos 300 anos foram marcados pela valorização do indivíduo, seja de que classe social for, seja de que origem cultural ou religiosa for. Mais recentemente esta valorização alcançou debates de gênero, de etnia e até de condição de saúde.

A lei é, portanto, um instrumento de garantia de direitos mínimos para o cidadão, o indivíduo. Por ela se dá a cada um a consciência do que pode ou não realizar. Sem ela voltamos ao poder absoluto do governante, que é justamente o oposto da razão existencial das leis.

O Brasil é o país com o maior número de normas jurídicas do mundo e há uma razão para isso: quanto mais complexo o ordenamento jurídico, mais o cidadão depende da autoridade do Estado para dizer o seu direito. Quando é simples a compreensão do certo e do errado, simples serão os debates sobre quem está de acordo com a lei… contudo, naturalizamos a necessidade de o Estado tudo nos dizer, tudo nos orientar, tudo regrar.

Então, no fundo, nosso regime ainda é uma simulação de liberdade, ainda nos condicionamos à autoridade, trocando, de tempo em tempo, quem nos governará.

Já no Séc. XIX refletiu o historiador francês Alexis de Tocqueville: “o cidadão pensa-se livre por ter livremente escolhido o tutor (governante). Mas não é livre quem é tutelado”.

Não é que as pessoas não precisem de normas e comandos. Não é essa a proposta de sociedade moderna, democrática e republicana. É que as pessoas devem se tornar autônomas o suficiente para que ninguém lhes precise dizer como devem agir. A sociedade moderna ideal é aquela em que, cada um sabendo o que pode e não pode realizar, vive livre dentro deste espaço existencial, sem que precise em momento algum pedir, muito menos implorar ao Estado ou a qualquer outro ente para que exista plenamente.

Como vamos nos tornar autônomos, livres enfim, se tudo nos é determinado e dificilmente compreendido? Como podemos saber o que podemos ou não realizar se os entendimentos mudam a todo instante, se as incontáveis normais são colidentes, se as autoridades têm sempre mais direitos que o conjunto de valores que se pretende implantar?

O Brasil é um país violento, elitista e abusivo. E nunca no Século XXI estivemos tão próximos do Séc. XIX como agora, ainda que o discurso corrente seja alucinadamente de liberdade e democracia. A lei por aqui continua servindo de instrumento reacionário, impedindo que nos tornemos o que sempre sonhamos e temos condição de ser, nos limitando como indivíduos e como sociedade, padronizando nossa gente para que caiba no interesse dos nossos governantes.

O Parlamento

Na Inglaterra do Século XIII, a nobreza e as camadas sociais que viriam a ser chamadas de burguesia quiseram participar do governo e, assim, diminuir o poder absoluto que estava na mão do monarca. Eduardo I, convencido de que nobres e clérigos deveriam ser ouvidos sobre certas demandas, decidiu criar um órgão de elaboração das leis. Surge assim o primeiro Parlamento, um órgão da elite, onde o poder central do monarca poderia ser enfrentado e diminuído.

Cinco séculos depois o resto da Europa Ocidental começava a enfraquecer o Absolutismo, provocados pelos ideais Iluministas de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A França é a primeira a dar ao Parlamento um poder de Estado superior ao monarca. EUA, pouco antes, cria um Parlamento de representantes do povo eleitos por sufrágio. É o início de um longo processo que, ainda em nossos dias, está em implantação e elaboração e que não toca a todas as sociedades de forma homogênea.

Lá na breve Democracia Clássica dos atenienses as assembleias eram diretas e todos se manifestavam em praça. Podemos crer que já naquela época eram conduzidas as assembleias pelas lideranças para os fins que pretendiam e que as ideias mais radicais ou inovadoras eram reprimidas. É absolutamente provável que fosse assim. Contudo, era o próprio cidadão quem lá estava.

Na Democracia moderna isso é impossível, por isso o Parlamento se tornou o órgão de representação mais expressivo da população e de suas ideias. O Parlamento depende, para exercer sua função institucional, seja permitido a defesa de ideais através de representantes eleitos para tal.

Para isso, o moderno constitucionalismo criou um direito gigantesco ao representante: não pode ser preso por defender ideais, sejam elas quais forem. É difícil de aceitar para muitos, mas se algum louco quiser defender o nazismo ou o stalinismo, o lugar para fazer isso sem sofrer punição legal será via imunidade parlamentar. Para isso, o parlamentar precisará ter sido eleito e, por isso, representa parcela da população. Quando o parlamentar falar asneiras, vomitar impropérios, que se lhe critiquem duramente para que cada um dos seus eleitores jamais repita o erro de voto… esse é o limite possível e desejável de como enfrentar tais abusos no uso da palavra.

Temos assistido constantes ataques ao Poder Legislativo que, num primeiro momento, parecem coerentes e legítimos, porque os valores invocados para tal o são. A questão é que tais ataques são uma agressão direta à Democracia representativa e ao Estado Democrático de Direito, que depende para existir de um Parlamento Livre… e não há Parlamento Livre sem parlamentares livres.

Avançamos sobre um terreno perigoso, minado por argumentos valoroso. É óbvio que a maioria de nós não quer extremistas ou lunáticos como Parlamentares… mas a identificação da maioria ou do grupo dominante jamais poderá ser argumento para impedir que o Parlamento seja amordaçado por qualquer outro Poder ou Instituição. Na tribuna, o parlamentar é inviolável. E tem de ser assim, sob pena de, num outro momento, se estar impedindo uma fala justa porque afronta novamente os valores do governo ou da maioria.

Não é possível exista Democracia sem liberdade de expressão parlamentar na Tribuna. Isso vale para minorias, maiorias, coerentes e incoerentes. Esse é um pilar do Estado Democrático de Direito.

A Ditadura

A História provoca a todos com eventos que se travestem e se repetem enquanto o âmago de cada sociedade não é efetivamente elaborado. No ínterim destes eventos, debates superficiais sobre causas menores costumam dividir polos que, munidos das mesmas estruturas inconscientes que se projetam em elementos aparentemente opostos, contentam-se na divergência maniqueísta sem um olhar mais pessoal, mais interior, mais maduro.

O Brasil tem muitos adoradores do período do governo militar. E tem muitos opositores a este período. Argumentam os primeiros que era um momento de ordem, de crescimento, de segurança. Argumentam os segundos que era um momento de desestruturação, de estagnação, de insegurança. Dizem os primeiros: “se tu não eras um opositor, um comunista, um radical, nada te acontecia”. Dizem os segundos: “se tu tentavas elaborar e aperfeiçoar uma sociedade autoritária e impositiva, eras perseguido”.

Pois bem… o que a História está a nos brindar nessa segunda década do Século XXI é justamente um novo episódio de ditadura onde qualquer crítica ao sistema vigente é reprimida pelo estabilishment. Se você pertence ao grupo polarizado que gostava da ditadura militar, pertence também ao grupo polarizado que ora é abusado pelos desmandos do STF. Se você pertence ao grupo polarizado que se identifica contra a ditadura militar, ora acha adequada a postura repressora do STF.

Qual a lição não aprendida, que reforça a repetição histórica? A lição democrática, a lição de valores anteriores à vontade, ao interesse e ao sistema. No fundo, os dois grupos polarizados não são democráticos, ainda que usem a luta do “capitalismo x comunismo” ou a “redemocratização” como argumento. No fundo, tratam-se apenas e tão somente de dois grupos autoritários, projetados em argumentos superficiais evidentemente antagônicos e identificados.

No meio dos polos sempre há os desinteressados. E há também os que gostariam que se percebesse o que interessa, o que é efetivamente que se enfrenta. Vivemos numa época em que as pessoas se contentam com a polarização, porque é esse o projeto inconsciente ainda ativo na humanidade, que sempre teve seus conflitos baseados em divisões maniqueístas.

Todo aquele que não entende o suficiente julga com o que dispõe. Nada de anormal. Contudo muitos se contentam em não entender e se comprazem em viver neste mundo dividido que apenas adia um novo conflito, uma nova divisão, um novo sistema.

A luta do bem contra o mal é uma luta pessoal. Ela não pode ser imposta ao outro e não pode ser medida adequadamente. Por isso, justificar a polarização nessa premissa é, por si, imaturo.

Os valores presentes que tem-se erigido (ou exigido) são democráticos. Na verdade, na verdade mesmo, o que não se percebe é que ainda lutamos internamente contra tais valores, impondo nossa vontade e concordando com os abusos que nos confortam e lutando contra os que nos afligem, quando deveríamos estar mais preocupados em restabelecer o prumo dos valores fundamentais éticos que, se atingidos, menos importará o sistema, o governo, o ideal.

Aos que não se contentam resta continuar o trabalho árduo de iluminar no que for possível e de confortar no que não for.

Patriotismo

A gente pode transformar qualquer coisa em algo ruim. Veja, nem tudo podemos transformar em algo bom, mas em algo ruim… bem… qualquer coisa pode se tornar.

Criamos a internet por motivos bélicos e hoje ela é indispensável em nossas vidas. Indispensável demais até, viciante, desgastante, ocupante. Criamos o avião para nos transportar e ele passou a transportar bombas. Criamos filhos com todo o amor e eles eventualmente podem nos ferir.

Até mesmo o amor, um sentimento (ou um comportamento) com respeito unânime entre mortais e imortais, pode se tornar algo ruim para quem não se domina. Mas veja: não é porque algo pode ser mal usado, mal compreendido, que isso é ruim.

Eis o que fizemos com o Patriotismo. O relativizamos. Submetemos tantas coisas importantes da nossa vida a esse relativismo que, para alguns, para muitos, é cada vez mais difícil saber do que gostar, onde investir sua fé, suas ações.

Já faz cerca de cem anos que o mundo vive essa expressiva divisão ideológica baseada em diferenças de compreensão da sociedade. Antes disso, as divisões ideológicas por séculos tiveram um objeto mais religioso, mas o Racionalismo foi, pouco a pouco, mudando essa perspectiva e hoje se trata de uma divergência sobre poder, sobre sociedade.

Da minha parte o Patriotismo é um elemento indispensável às sociedades. Valorizar sua cultura, sua língua, sua unidade social, sua pátria, é um elemento importante sobre a sua construção identitária. Ok, entendo que muitos não se identifiquem com isso e busquem uma definição mais subjetiva, mais intimista da sua identidade. É compreensível. Mas, creio eu, uma coisa não anula a outra. Ou não deveria anular.

Dirão os opositores que é o Patriotismo que cria guerras… bobagem. O que cria guerras é o egoísmo, a ganância, a imaturidade. O Patriotismo une as pessoas de um mesmo lugar, lhes dá senso de continuidade, de reconhecimento. Incita o aprimoramento e ajuda na ampliação da afetividade e do comprometimento com o outro.

Sou um grande crítico do comportamento médio da nossa gente. Não é por falta de ter o que criticar que vou deixar de me identificar, contudo, com os demais brasileiros do vasto Amazonas, do agreste Nordestino ou da gelada Serra Catarinense. Somos um povo com muitas diferenças… e famílias não são assim?!

Dia 07 de setembro é um dia importante, um símbolo de maioridade pátria. Comemoremos! Valorizemos nosso lar pátrio. E continuemos a importante jornada de construí-lo para que seja um lar digno.

Ideologia ou Corporativismo?

Não gosto da palavra ideologia para se referir a um conjunto de ideias políticos-ideológicas-sociais. Deveria ser filosofia, pronto. Como são as demais proposições filosóficas. Contudo, é palavra corrente e dela nos valemos.

O mundo é regido por valores pessoais que desenvolvem ideias. As ideias podem alterar tais valores, mas elas são posteriores a eles e dependem, para alterá-los, de pessoas mais amadurecidas. Então como regra as ideias representam os valores dos agentes que as produzem.

Quando comparamos, por exemplo, a ideologia fascista com nosso tempo a vemos como um flagrante absurdo: raça superior, intolerância às deficiências, estratificação social forçada e por aí vai. Não parece evidente que são valores transformados em ideias?!

Mesmo no marxismo que com todos os seus erros e acertos é uma ideologia mais útil, se vê a elaboração (complexa e bem fundamentada) dos valores de um homem materialista, que não conseguiu jamais cultivar boas relações familiares e viveu exclusivamente de propor ideias, jamais de exercê-las.

Vejam: as ideologias (como as religiões) são fruto dos valores das pessoas que as criam e com elas se identificam. Por isso, costumam ter os limites pessoais dos agentes envolvidos. Não raro, há mesmo um distanciamento entre o que o seu criador propôs e o que seus seguidores vivem (vide o cristianismo), justamente porque os limites e os valores pessoais envolvidos são lentes que distorcem o debate.

Num mundo institucionalizado como o nosso fica cada vez mais claro que as afinidades ideológicas dizem mais respeito às corporações a que estamos integrados do que aos ideais de transformação pessoal ou social. Na verdade, poucos dos “soldados da guerra ideológica” são mais do que meros soldados. A maioria é reprodutor, com maior ou menor complexidade de ideias, de uma defesa dos seus interesses pessoais. A guerra ideológica do nosso tempo seria menor se fizessem terapia, se as pessoas e as corporações buscassem melhorarem-se antes de exigirem que o mundo e os outros melhorem.

A mais-valia brazuca

Marx chama de mais-valia aquilo que a foça de trabalho produz e não é remunerado pelo burguês (patrão). O brasileiro médio, seja ele operário, servidor, patrão, autônomo, agricultor ou qualquer outro que ofereça a sua força de trabalho, um serviço ou produto, desvirtuou o conceito marxista e estabeleceu uma nova forma de remunerar-se, um verdadeiro ágio que nos atinge de diversas formas.

Veja o vendedor de veículos, por exemplo. Ele não é remunerado apenas pela atividade de compra e venda de veículos. Ele ganha (e muito bem) a cada financiamento que realiza, pois a financeira o remunera por isso. Quem paga?

E a administradora de condomínio… ela cobra uma taxa dos seus serviços, mas costuma ganhar por cada contratação de prestadores para o condomínio. Quem paga?

Veja os serviços públicos. Educação, saúde e segurança, que são aqueles indispensáveis, acabam por ser uma parcela menor dos gastos orçamentários estatais. Para manter o sistema, pagamos altos salários a auditores, magistrados, procuradores, diretores, consultores, governantes, legisladores, etc. Quem paga?

Vá no banco pedir um empréstimo e um seguro ou título de capitalização lhe será empurrado através de venda casada (proibida por lei). Isso que nossas taxas de juros são as maiores do mundo.

Quase tudo em nosso país poderia ser mais barato se custasse apenas o que se quer. Quase sempre pagamos por algo mais, que não temos a oportunidade de dispensar.

Quem estuda em universidades públicas, às vezes com doutorados e bolsas de pesquisas com verbas estatais, costuma buscar grandes cargos em postos de alta remuneração. Legítimo. Mas como retribuir ao seu país o que todos pagaram para que fosse conquistado? Quem pagou? Quem se beneficiará?

O Brasil é um país rico e seria seu povo igualmente rico se tivéssemos construído uma escala de valores menos egoísta, menos avarenta, mais humana, ética e altruísta. Mas chegaremos lá, pois não há ignorância que dure para sempre.

Educar é político

Educar sempre foi algo que diferenciava a elite dos demais, em todos os tempos. Sempre. Por milênios a humanidade reproduziu de geração em geração as lições entre os seus. O agricultor ensinava a seus filhos a agricultura. O pescador a pescaria. O militar a luta. O pedreiro a construção. E assim vai. Então, a ideia de educar era funcional (aprendia-se o que se necessitada no trabalho) e socialmente fixa (as classes sociais ou grupos sociais se mantinham no mesmo patamar socio-econômico).

Foi no Século XX que a ideia de educação pública se proliferou e mudou o mundo. Ainda se aplicava à educação o objetivo funcional, mas pouco a pouco se incorporou a ideia de liberdade de pensamento e, portanto, de objetivos. Educar buscava libertar o pensamento e, portanto, o aprendiz e, mais adiante, a sociedade.

Libertar do que?!

Bem, educar historicamente foi político. A política familiar era produzir mão-de-obra. Quando se criaram os estabelecimentos de ensino a politica era produzir mão-de-obra qualificada. Hoje a política educacional é produzir seres livres das amarras funcionais da educação… mas vinculados a que?!

Se não bastasse vivermos numa época em que o processo educacional precisa se adaptar à tecnologia, à geração Alfa e ao gigantismo das informações, hoje questionamos a que se destina o processo educacional, afinal de contas. Porque no passado já sabíamos que um filho de carpinteiro deveria aprender a carpintaria. Sabíamos que a universidade formaria saberes superiores sempre necessários. Mas e hoje?!

A liberdade é tremendamente complexa. Quando se dá liberdade sem preparar o liberto e o ambiente onde ele atuará, simplesmente não há de funcionar. Pelo simples fato de que poucos intuem o que devem fazer da sua vida de forma elaborada. Libertar antes do momento certo é aprisionar o ser na sua própria casca, no seu próprio limite pessoal.

Hoje há um compromisso geral dos educadores em libertar os alunos dos conceitos que entendem aprisioná-los, mas infelizmente os novos conceitos não conseguiram libertá-los das suas próprias limitações pessoais. O educando é cada vez mais dependente do Estado, em consequência do objetivo de libertá-lo do Mercado.

Por outro lado, escolas caras e inatingíveis para a imensa maioria das pessoas ensinam a potencializar suas habilidades, a conviver com diferenças complexas, a conhecer mecanismos de busca e aprimoramento de última geração. Afinal, como dizemos na primeira frase, educar sempre foi algo que diferenciava a elite dos demais.

Então temos, de um lado, um grupo formando mão-se-obra pensante e atuante nos corpos estatais e, do outro, uma elite que voa baixo, que domina a comunicação, a gestão de pessoas, o uso de recursos tecnológicos e naturais e os meios de produção. Há de um lado pessoas que pedem e dependem e, do outro, pessoas que realizam e produzem. Há cada vez mais a intensificação dos meios de dependência e controle.

Educar é político. Enquanto uns ensinam o senso político, o pensamento crítico político, os conceitos histórico-políticos e o agir coletivo dentro deste sistema, outros ensinam a manejar o conhecimento para capacitar o ser humano a estabelecer os seus próprios interesses políticos. Educar é politico e, às vezes, libertador.

A Escravidão Mental ainda existe

Nórdicos escravizaram irlandeses. Árabes escravizaram africanos. Romanos escravizaram egípcios. Egípcios escravizaram judeus. Estes são exemplos de escravidão racial. Temos outros tipos de escravidão, quando tribos indígenas sul-americanas escravizavam seus derrotados. O mesmo acontecia com as tribos e reinos africanos. Vencidos se tornaram escravos durante toda a história humana.

A escravidão é arraigada à humanidade. Ela existe desde que existem culturas diferentes, há mais de 10.000 anos. Existiu em todos os continentes, em todas as épocas, até cerca de cem anos atrás.

Quem acabou com a escravidão no mundo?!

O europeu.

Veja: em diversos lugares, em diversas épocas, havia povos escravizantes e escravizados. Havia também os que não escravizavam e lutavam para não serem escravizados, mas, num mundo violento, quanto menos violência você manejasse, maior a chance de se tornar escravo.

A triste realidade é que o homem precisa evoluir culturalmente para implantar uma nova conduta. Não adianta um rei determinar algo que seus subordinados não querem; ele cairá (como caiu Dom Pedro II depois da Lei Áurea). Não adianta se determinar que não usem armas, pois só uns respeitarão. A humanidade não se constrói, não evolui, por decreto. Quem cria um filho aprende isso.

Foram os europeus quem impuseram o fim da escravidão no mundo, ao longo do Século XIX. Afinal, eram os europeus que dominavam o mundo e a Revolução Industrial estava ali pedindo passagem junto com o capitalismo (essa é a visão normalmente associada a este fato histórico). Há outros motivos, contudo. Um deles é que brancos e negros, ao longo dos séculos, conviveram e passaram a se relacionar com cada vez mais empatia. Muitos brancos tinham filhos mulatos. Até padres tinham filhos africanos (leia “O império dos homens bons”, do português Tiago Rebelo).

Não é diferente do que aconteceu, por exemplo, entre egípcios e judeus, entre nórdicos e irlandeses. A cultura dominante é tocada, cedo ou tarde, pela gente dominada. A humanidade é feita, afinal, de pessoas mais ou menos humanas, mais ou menos evoluídas.

Contudo, a escravidão mental demora para passar. O sentimento de ser menor, de ser menos, de ser dependente. A ideia de que só há ódio, só há maldade. A vivência da dor e não do que se conquistou.

A escravidão mental é um dejeto e, eventualmente, um produto.

No Brasil, tem sido produto vendido a rodo. Temos uma geração que aprendeu errado a pensar sobre fatos históricos importantes para a humanidade e acredita que há dívidas históricas que, hoje, não tem qualquer sentido. Devem árabes algo por terem escravizado os egípcios?! Devem os suecos e noruegueses algo por terem escravizado os irlandeses?! E a dívida italiana por tudo que os romanos fizeram…

Precisamos mudar nossa mentalidade para deixarmos de viver no Século XIX. Precisamos ir adiante e nos libertar.

Imprensa Polarizada

Confesso que estou surpreso com o tipo de comentários a que reduzimos nosso debate. Não é só em política. É sobre a sociedade, sobre relações humanas, sobre economia. Sobre criminalidade. Sobre casamento e comportamento.

Ao escolhermos ressuscitar a Guerra Fria criamos um problema difícil de resolver. Porque, afinal, já estivemos nesse período e o resultado dele é estarmos onde estamos. Ainda assim as pessoas estão divididas entre os anti-comunistas e os anti-fascistas (como há cem anos!), com suas razões plausíveis e com suas paranoias, criticando pela diferença de bandeira e não porque a reflexão assim determina. Tudo ficou polarizado e a imprensa não seria alienada deste fenômeno, inclusive com as leviandades que disso resultam.

Vejamos que se estivéssemos debatendo valores independente de ideologias e divisões de que natureza fossem, os problemas talvez estivessem em vias de serem efetivamente enfrentados. A coisa de ficarmos discutindo apenas ideologias nos fez deixar o debate reflexivo de lado e tudo que se produz são arrazoados mais ou menos inteligentes sobre os valores que não foram estabelecidos. Assim, quando um negro ativista é assassinado existe um tipo de reação diferente de quando um negro não ativista o é. Quando uma decisão administrativa produz um resultado, dependendo de quem a produziu tem-se uma aceitação ou rejeição. Veja que se defende há décadas no Brasil que não se reaja a investida de criminosos, mas quando uma mulher foi barbaramente espancada pelo marido se bradou que faltou quem a defendesse. Ora, falta que nos defendamos de tudo no Brasil! Nos tornamos bananas, ovelhas a espera do abate. E assim seguimos cavando trincheiras que interessam a quem quer manter a guerra… e essa guerra é ideológica.

O Brasil caminha para um governo de direita depois de Getúlio Vargas, o último dessa linha efetivamente (ainda que Collor assim fosse classificado, pouco fez nesse sentido). Getúlio era um quase fascista, simpatizante do nazismo e opositor do imperialismo americano por ser nacionalista. Ele criou diversas garantias legais a trabalhadores, criminosos, sindicatos, pautas que hoje seriam defendidas por outro espectro ideológico. Ainda assim, se aliou ao Ocidente na Grande Guerra porque os valores envolvidos assim determinaram. Era coerente, correto, necessário.

Hoje lemos, vemos e ouvimos incessantes artigos e reportagens absurdamente parciais. Parecem resultado de jornalistas educados sem entender que toda parcialidade histórica imprescinde de valores que a determinem, sob pena de tornarem-se propaganda e só isso. Os jornalistas se tornaram entregadores de argumentos dos ideólogos, como uma espécie de panfleteiros. Deixaram de olhar os fatos como tal e de analisar os argumentos com imparcialidade. É intolerável tudo em nossos dias, mas ser parcial e incoerente não.

Parte da imprensa critica aqueles que se identificam com os valores do imperialismo americano com argumentos que serviriam perfeitamente para aqueles que se identificam com os valores do imperialismo marxista. Fazem isso porque nos reduzimos a debatedores irreflexivos e esse nível de debate está nas salas de aula, nas mesas de bar, nas redes sociais.

A imprensa tem um papel indispensável na efetivação da democracia e da liberdade. Todo governo que cogita limitar a imprensa age contra a liberdade de pensamento, que é a primeira e mais importante das liberdades.

Que surjam jornalistas mais imparciais, mais conhecedores da história e mais preocupados em resolver isso que está posto e não apenas aptos a propagar esses rasos valores que mantém isso que está aí.

 

 

Lições Políticas

Governo Temer chegando ao final com 80% de reprovação, campanha eleitoral sem a presença de grandes expoentes, polarização ideológica. Há lições políticas valiosas nessa realidade a que estamos submetidos, mas que, infelizmente, ainda não aprenderemos. Vamos a elas:

1. O vice-presidente de uma chapa eleitoral (e obviamente o seu partido) é integrante do projeto proposto. Se não tiver identidade com o projeto, será o seu primeiro grande adversário.

2. Todo governo precisa de força política. Força política decorre de comprometimento ideológico, de comprometimento moral ou de interesse pessoal.

3. A maioria das pessoas não tem interesse em debate ideológico, querem apenas viver a sua vida de acordo com seus interesses. As pessoas que impõe o debate ideológico como indispensável costumam depender do Estado para suas conquistas, pois o Estado é o único agente constituído capaz de implementar ideologias no Brasil.

4. Há ideologias que são um grande arcabouço de ideais isolados que, aparentemente, são compatíveis. Costumam ser as mais ativas politicamente e as mais frágeis ao governar, pela impossibilidade prática de conciliar tantos interesses distintos.

5. Economia não é o que gira ao redor do dinheiro. É o que permite a vida das pessoas. Quem olha economia e só pensa em dinheiro provavelmente olha as pessoas e só pensa em política.

6. Para mudarmos o Brasil, precisamos mudar nossas ideias e nossos ideais. Precisamos deixar de acreditar no que não dá certo e escolher o caminho do que é possível. Não se constroem castelos começando pelos quartos.

7. Nenhum partido, nenhuma ideologia, nenhum aglomerado de ideias pode se apropriar da liberdade individual e do direito de divergir.

8. A lei é a referência social básica. Sua criação, modificação, aplicação e revisão dependem de instituições. Sem fortalecermos estas instituições continuaremos na eterna infância social.

9. Não existem salvadores.

10. Essas lições elementares estão longe de serem implementadas no Brasil. Ainda vivemos os debates do início do Século XX.